Software Livre nos programas eleitorais 2024
A alguns dias das eleições legislativas portuguesas de 2024, analisámos os programas eleitorais de todos os partidos que concorrem nas eleições de 10 de março de 2024. Apresentamos aqui a análise no que toca a Software Livre, à semelhança do que fizemos em 2022.
Defendemos que todo o código financiado por dinheiro público deve ser Software Livre (recomendamos que visitem a página Public Money? Public Code!). Defendemos o direito à privacidade nas comunicações dos cidadãos e somos contra o experimentalismo não fundamentado de voto eletrónico ou online. Para conhecer melhor os ideais defendidos pela ANSOL, sugerimos que leiam o nosso artigo “ Ideias para a legislatura 2024-2028”.
Em caso de erros podem sugerir alterações no nosso repositório ou contactando-nos.
Glossário
- DRM: Digital Rights Management / Gestão de Direitos Digitais, ou, mais corretamente, Digital Restrictions Management / Gestão Digital de Restrições
- CNPD: Comissão Nacional de Proteção de Dados
- IA: Inteligência Artificial
- RNID: Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital
- portal BASE: portal dos contratos públicos
- CNCS: Centro Nacional de Cibersegurança
- API: Application Programming Interfaces / Interfaces para Programação de Aplicações
Partidos
Os partidos apresentados estão ordenados pelo número de deputados eleitos em 2022 e, em caso de empate, por número de votos.
Os programas dos seguintes partidos não continham qualquer referência relevante aos assuntos da ANSOL: Reagir Incluir Reciclar, Nós Cidadãos, Nova Direita.
Os seguintes partidos não tinham disponível o programa à data de análise: Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, Juntos Pelo Povo e Partido Trabalhista Português.
PS - Partido Socialista
Concorre em todos os círculos eleitorais.
Excertos relevantes do Programa:
Na secção 1.2 do Capítulo “4.ª MISSÃO - UMA DEMORACIA DE QUALIDADE PARA TODOS”, o PS propõe “a desmaterialização dos cadernos eleitorais e o recurso alargado às tecnologias de informação para simplificar os procedimentos eleitorais, com manutenção de elevados padrões de segurança”.
Na secção 5 do mesmo capítulo, o PS propõe “Garantir a total interoperabilidade e partilha de dados entre as entidades da Administração Pública, reforçando a adoção do princípio do only once”. Na mesma secção, propõe também “Estabelecer o acesso a uma cloud pública a que cada pessoa possa ter acesso, em condições de proteção, privacidade e segurança, para garantir autonomia no acesso digital numa perspetiva de soberania digital;”
Considerações da ANSOL:
Não há referências a Software Livre no programa do PS. Sobre o ponto 1.2 acima, já não fazem referência explícita ao voto eletrónico (ao contrário do programa de 2022). Consideramos positiva a referência à interoperabilidade de dados. Em relação ao ponto da cloud pública, os detalhes de implementação são importantes: se for simplesmente subcontratado a uma empresa gigante multinacional de tecnologia, o objectivo da soberania digital é derrotado.
PPD/PSD.CDS-PP.PPM - ALIANÇA DEMOCRÁTICA
Concorre em todos os círculos eleitorais em coligação, excepto na Madeira. Na Madeira o PPD/PSD concorre coligado com o CDS-PP sob o nome de “Madeira Primeiro” e o PPM concorre separadamente. A coligação AD - Aliança Democrática tem programa eleitoral conjunto, as outras candidaturas pela Madeira não apresentam nenhum programa.
Excertos relevantes do Programa:
Ao longo do documento há referências para digitalizar o património cultural, a administração pública, etc.
Na Parte I, no capítulo “Com Sentido de Estado”, na secção “Transparência e Combate à Corrupção”, a AD defende “a disponibilização de ferramentas digitais e práticas de dados abertos sobre os procedimentos de contratação e decisões de despesa pública” no portal BASE.
Na secção “SISTEMA POLÍTICO E ELEITORAL” do mesmo capítulo, a AD defende um teste ao voto eletrónico não presencial sobre os círculos das comunidades portuguesas.
Na Parte II, capítulo “Apostar na Iniciativa Privada e na Produtividade”, na secção 2.2.4. “Inovação, Empreendedorismo e Digitalização”, a AD defende que a modernização e digitalização da administração pública implemente um plano de serviços públicos digitais em que se apliquem os princípios dos dados abertos e da interoperabilidade. Pretende também “Fortalecer a infraestrutura digital e cibernética do país para garantir independência e soberania tecnológica, e investir em tecnologias emergentes, assegurando a cibersegurança da informação, a proteção das infraestruturas, a proteção de dados e a privacidade online.”
Considerações da ANSOL:
Não há referências a Software Livre no programa da AD. Consideramos positivo a aplicação de dados abertos e interoperabilidade na administração pública, e a disponibilização de dados abertos no portal BASE. Sobre a digitalização dos vários serviços que a AD refere, não é claro de que maneira será feita, nem se será usado Software Livre ou que vá seguir as normas do RNID. Sobre o teste ao voto eletrónico não presencial para as comunidades portuguesas consideramos que deve se ter em conta o projeto-piloto em Évora, fortemente criticado pela CNPD.
IL - Iniciativa Liberal
Concorre em todos os círculos eleitorais
Excertos relevantes do Programa:
Na secção 1.2 do capítulo C em “Defender a privacidade na era digital”, a IL defende restringir o uso excessivo de videovigilância e criar um ecossistema digital seguro na Administração Pública, que reforça a encriptação e segurança dos dados pessoais, e que garante a rastreabilidade dos acessos a dados pessoais por parte dos trabalhados do setor público, e se necessário rever o RNID. A IL ainda defende a garantia dos meios necessários à CNPD.
Considerações da ANSOL:
Não há referências a Software Livre no programa da IL. Consideramos positivo as medidas que tendem a garantir a proteção de dados. Também é positivo considerarem a revisão do RNID, que devia ter acontecido há vários anos.
PCP-PEV - CDU - Coligação Democrática Unitária
Concorre em todos os círculos eleitorais como PCP-PEV.
PCP - Partido Comunista Português
Excertos relevantes do Programa:
Na secção 2.3.4 do capítulo 2, o PCP apresenta as suas propostas para a transição digital. Nestas propostas está incluída a transparência e neutralidade da rede e a promoção do software livre. Do ponto de vista da inteligência artificial (IA), o PCP propõe a proibição de recolha invasiva de dados pessoais para IA, como a “vigilância permanente em contexto laboral, devassa automatizada da privacidade, recolha de dados biométricos”; defende a limitação do uso de IA para decisões com implicação directa na vida das pessoas (ex: “apoios sociais, vistos, asilo, crédito bancário, acesso a um posto de trabalho, decisão judicial”), e exige que “os parâmetros e as bases de dados usados numa tomada de decisão sejam públicos e auditáveis”; e defende a “obrigatoriedade de sinalização do uso de IA em produtos e serviços”, sejam estes serviços públicos ou privados.
Considerações da ANSOL:
Há referências leves a Software Livre no programa do PCP, dizendo que este deve ser promovido, mas sem grandes detalhes. Vemos positivamente a defesa pela neutralidade da rede e sua transparência, assim como a defesa contra vigilância invasiva. Propõem muito fortemente uma regulação da IA no contexto da defesa do trabalhador e do consumidor.
PEV - Partido Ecologistas “Os Verdes”
Excertos relevantes do Programa: Na secção 7 do manifesto ecologista, O PEV defende para o acesso à cultura que se deve “desenvolver e qualificar a rede nacional de arquivos e bibliotecas, quer através de meios físicos, quer de meios digitais, visando a facilitação da disponibilização da informação arquivada”.
Considerações da ANSOL:
Não há referências a Software Livre no programa do PEV. Consideramos positivo que os arquivos e bibliotecas disponibilizem de maneira facilitada os seus arquivos de formato digital, no entanto, consideramos que os sistemas digitais de arquivos devem ser Software Livre.
BE - Bloco de Esquerda
Concorre em todos os círculos eleitorais.
Excertos relevantes do Programa:
Na secção 17 do capítulo C, o Bloco de Esquerda propõe para as comunidades portuguesas no estrangeiro um teste de voto eletrónico à distância. Esse teste teria “a participação de especialistas de segurança das Universidades portuguesas, utilização de código aberto, e amplo escrutínio público”.
Na secção 18.2 do capítulo D encontram-se as propostas do Bloco de Esquerda no âmbito do Digital. Defendem a neutralidade da Internet e liberdade de expressão na mesma sem censura. Propõem o fim do DRM e o fim da criminalização da partilha de conteúdos para fins não comerciais. Defendem que a produção científica financiada por dinheiros públicos seja depositada em repositórios abertos. Defendem ainda que o software criado ou comprado com dinheiro público, seja software livre ou de código aberto.
Considerações da ANSOL:
Há referências positivas a Software Livre no programa do BE. O programa aborda muito positivamente várias questões que julgamos importantes, como a neutralidade da internet e o fim do DRM, sendo de destacar a obrigatoriedade de Software Livre quando criado ou comprado com dinheiro público. Os requisitos para o teste ao voto eletrónico à distância são correctos, mas o projecto deveria começar por um estudo sobre o desenho e implementação do processo. Ao começar pelo teste, condiciona-se a desvalorização das críticas que poderiam por em causa a sua exequibililidade, como aconteceu no projeto-piloto de Évora, fortemente criticado pela CNPD.
PAN - PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA
Concorre em todos os círculos eleitorais.
Excertos relevantes do Programa:
Na secção de defesa dos direitos digitais, o PAN refere que deve ser avaliada a migração de todo o software de agências governamentais e entidades públicas para Software Livre e defende que todo o software desenvolvido pelo estado ou financiado por recursos públicos deve ser Software Livre, salvo situações devidamente justificadas. Propõem reforçar os meios da CNPD e CNCS. Propõem reforçar o investimento do Estado em infraestrutura própria.
Considerações da ANSOL:
Há referências positivas a Software Livre no programa do PAN. Consideramos muito positivo as propostas de migração para Software Livre nas agências governamentais e entidades públicas, tirando a parte das excepções.
L - LIVRE
Concorre em todos os círculos eleitorais.
Excertos relevantes do Programa:
No capítulo “Soberania Digital”, o Livre defende a neutralidade da internet, sem censura. Defendem que “os roteadores e modems façam parte do domínio das e dos consumidores”, o direito ao esquecimento e privacidade online, e incentivam a adoção de normas de acesso aberto. Pretendem renovar o RNID, prevenir a vigilância em massa e o abuso do direito à privacidade assim como a utilização de dados pessoais sensíveis em segmento de publicidade. Sobre o Software Livre, o Livre defende que o “todo o código desenvolvido com dinheiro público fique numa licença de código aberto” e que se introduza “software livre e de código aberto em todos os níveis da administração pública e em instituições financiadas com recursos públicos, com todos os registos públicos não confidenciais digitalizados e publicados num banco de dados online aberto”. O Livre defende ainda a “Obrigatoriedade de interoperabilidade de dados para todos os serviços tecnológicos contratados pelo Estado” e reforçar o orçamento e condições do CNCS.
No capítulo de prevenção e combate à corrupção, o Livre propõe “Assegurar a transparência da contratação pública no Portal dos contratos públicos, através da publicação de dados abertos”. Para a IA, o Livre defende que se deve regular criando um orgão regulador de tecnologias de IA, e que se previna a discriminação algorítmica de vencimentos.
No capítulo “Democracria”, o Livre defende uma revisão dos processoas eleitorais que permita um investimento “no desenvolvimento e experimentação de sistemas de voto eletrónico não presencial, particularmente nos círculos eleitorais da emigração”. Propõem a criação de livros escolares com licença de autor aberta (Creative Commons) e sem DRM. Defendem o direito à fabricação e reparação.
Considerações da ANSOL:
Há referências positivas a Software Livre no programa do Livre. Consideramos muito positivo a defesa do Livre pelo Software Livre em toda a administração pública e outras instituições financiadas com recursos públicos, e a defesa pela neutralidade da internet e pelo direito à privacidade. Consideramos também muito positiva a menção da liberdade de escolha de roteadores. Em relação ao voto eletrónico propomos que se tenha em conta o projeto-piloto de Évora, fortemente criticado pela CNPD.
MPT.A - ALTERNATIVA 21
Concorre em todo o país excepto Beja, Faro, Castelo Branco, Porto, Vila Real e Açores (as duas primeiras rejeitadas pelo juiz).
Excertos relevantes do Programa:
A Coligação Alternativa 21 propõe “Promover e implementar o voto electrónico (voto digital à distância ou remoto), como alternativa ao voto presencial, para todos os nacionais, quer residam no país ou no estrangeiro”.
Considerações da ANSOL:
Não há referências a Software Livre no programa da Alternativa 21. Consideramos negativa a proposta de implementar o voto electrónico e à distância para todos os nacionais. Deve ser tida em conta o projeto-piloto em Évora, fortemente criticado pela CNPD.
VP - Volt Portugal
Concorre em todos os círculos eleitorais, excepto Bragança.
Excertos relevantes do Programa:
Na secção 1.5 “Liberdades e direitos digitais”, o VP defende a neutralidade da internet, transformar a CNPD numa Secretaria de Estado aumentando os seus recursos e tornando vinculativos os seus pareceres. Na secção 1.5.1 “Código aberto e literacia digital”, o VP defende a substituição, de modo faseado, do software usado em serviço público por alternativas de “código aberto” de modo faseado e a promoção de software “não proprietário” na educação, defende o desenvolvimento de APIs para acesso à população de dados públicos. Na secção 1.5.2 “Proteção de dados, Direitos digitais e Transparência”, o VP defende o direito à privacidade, encriptação e esquecimento.
Na seção 5.1 “Sistema Eleitoral e Político”, o VP defende a adopção generalizada do voto eletrónico à distância, “depois de testes com a participação de especialistas de segurança de Universidades portuguesas, com o objetivo de proporcionar um sistema seguro, anónimo, verificável, fiável e acessível”
Considerações da ANSOL:
Há referências positivas a Software Livre no programa do Volt. Consideramos positivo a defesa pela neutralidade da internet, o aumento de recursos da CNPD e a defesa pela substituição do software em serviço público para Software Livre. A promoção na educação de Software Livre pode ser abrangidas a mais áreas e pode se basear na nossa lista de Software Livre para ensino e teletrabalho. Vemos a disponibilização de dados públicos via APIs como positiva, assim como o direito à privacidade e esquecimento. Em relação ao voto eletrónico, consideramos negativa a proposta de implementar o voto electrónico à distância. Propomos que se tenha em conta o projeto-piloto de Évora, fortemente criticado pela CNPD.
Tabela de resumo
Para tornar a análise aos programas dos vários partidos mais clara, apresentamos uma tabela onde se reunem os pontos mais importantes para a ANSOL, atribuindo pontos positivos ou negativos consoante a seguinte classificação:
- 2: Medidas são consideradas boas pela ANSOL
- 1: Medidas são consideradas razoáveis, mas podiam ser melhores ou não estão suficientemente explícitas
- -: Não há referência ao tema
- -1: Medidas são consideradas perigosas, mas podiam ser piores
- -2: Medidas são consideradas perigosas
Foram omitidos os partidos sem pontos relevantes para a ANSOL ou cujo programa não está disponível.
PS | AD | IL | CDU | BE | PAN | Livre | MPT.A | Volt | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Dinheiro Público, Código Público! | - | - | - | - | 2 | 2 | 2 | - | 2 |
Software Livre | - | - | - | 1 | 2 | 2 | 2 | - | 2 |
Neutralidade da Internet | - | - | - | 2 | 2 | - | 2 | - | 2 |
Interoperabilidade/RNID | 1 | 1 | 2 | - | - | - | 2 | - | - |
Dados abertos | - | 1 | - | - | - | - | 1 | - | 2 |
DRM | - | - | - | - | 2 | - | 1 | - | - |
Voto Electrónico | - | -2 | - | - | -1 | - | -1 | -2 | -2 |
Protecção de dados/Privacidade | - | - | 2 | 2 | - | 2 | 2 | - | 2 |
Total | 1 | 0 | 4 | 5 | 7 | 6 | 11 | -2 | 8 |
Legenda:
Dinheiro Público, Código Público: Todo o código financiado por dinheiro público deve ser disponibilizado ao público com uma licença de Software Livre.
Software Livre: Referências à utilização de Software Livre e os seus benefícios.
Neutralidade da Internet: Garantia de que os operadores tratam de forma igual todo o tráfego online e que não há limitação de equipamentos que podem ser utilizados.
Interoperabilidade/RNID: O RNID deveria ter sido revisto até outubro de 2021. Deve ser feita uma actualização tecnológica e adicionados mecanismos para que o regulamento seja cumprido.
Dados abertos: Disponibilização de dados públicos com licenças livres para poderem ser reutilizados por cidadãos e entidades. Produção científica e/ou educativa deve ser publicada em acesso aberto.
DRM: Eliminação do DRM.
Voto electrónico: Não devem ser feitos testes piloto sem estudos prévios. Qualquer teste deve utilizar Software Livre e disponibilizado ao público.
Protecção de dados/Privacidade: Medidas que promovem a privacidade dos cidadãos em ambiente digital relativamente às empresas tecnológicas.