Apresentação à CECC - 2012/02/08
Senhoras e senhores deputados. A ANSOL, Associação Nacional para o Software Livre, agradece esta oportunidade de expor a sua posição acerca do Projeto de Lei nº 118.
IRRENUNCIABILIDADE E INALIENABILIDADE
Um dos problemas deste Projeto de Lei é a irrenunciabilidade e inalienabilidade da compensação, estipulada no artigo quinto. Ainda que o Projeto de Lei exclua a sua aplicabilidade ao software em si, cobre toda a documentação técnica, imagens, sons e vídeos associados ao desenvolvimento do software, incluindo o Software Livre.
A impossibilidade legal de renunciar à compensação vai colocar obstáculos à participação em projetos importantes de Software Livre, como por exemplo aqueles geridos pela Free Software Foundation, por ser incompatível com as licenças desse software. É de salientar que a renúncia aos direitos patrimoniais, neste caso, não acontece por pressão de alguma entidade que vise lucrar com o trabalho do autor, mas sim por clara opção do autor.
Este artigo pode proteger os autores que vivem da venda de cópias das suas obras mas retira a outros autores a possibilidade de dar um contributo voluntário e solidário para a inovação na sociedade da informação.
Tal direito patrimonial deve continuar a poder ser renunciado, mas a manter-se o princípio, tem de existir uma exceção para estes casos.
Possível solução:
Artigo 5.° - Inalienabilidade e irrenunciabilidade
Exceto quando a cópia pública é autorizada diretamente pelos autores, artistas, intérpretes ou executantes, a compensação equitativa é inalienável e irrenunciável, sendo nula qualquer cláusula contratual em contrário.
TAXAS
A ANSOL opõe-se também à proposta de estender a taxa pela cópia privada a equipamento informático genérico, como discos rígidos, cartões de memória e leitores digitais.
Curiosamente, este Projeto de Lei exclui explicitamente programas informáticos e bases de dados, mas ao mesmo tempo taxa o equipamento indispensável à implementação e uso de qualquer sistema informático. Pior do que esta contradição, esta extensão da taxa pela cópia privada irá prejudicar a grande maioria dos autores, maioria essa que está fora do circuito de cobrança coletiva, por assentar numa premissa dogmática (sem se fundamentar em estudos económicos) de que a cópia privada em equipamento informático representa um prejuízo pelo qual alguns autores devem ser compensados.
A taxa pela cópia privada aplicada a suportes como, por exemplo, CDs e cassetes virgens tem alguns defeitos, pois prejudica qualquer pessoa que queira usar esses suportes para divulgar as suas obras. Mas cumpre duas condições importantes que a podem justificar em alguns casos, tal como indicámos em 2004, no processo de revisão do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, do qual fizemos parte.
Primeiro, a compra de cassetes virgens servia atos legais como a cópia privada ou outros que eram indiferentes para os autores que comercializassem as suas obras. Por exemplo, a cópia de um disco comprado, o registo de obras próprias ou a cópia de material em domínio público. Mas nunca se provou que o comércio de cassetes virgens trouxesse, por si só, algum benefício aos autores que vendessem as suas obras ao público.
Em segundo lugar, sempre que alguém comprava uma cassete virgem e a usava para copiar uma obra protegida, ao abrigo do direito à cópia privada, era claro que o preço que tinha pago pela cassete correspondia ao valor que atribuía a essa cópia. Cumpridas estas condições, pode parecer razoável defender que, em média, parte do lucro da venda destes suportes fosse devido aos autores das obras copiadas, justificando-se uma taxa sobre estas vendas na condição de não prejudicar outros autores.
No armazenamento digital isto não acontece.
Em primeiro lugar, quando alguém compra armazenamento digital e coloca lá o sistema operativo, software de processamento de texto, fotografias dos filhos, o email e o browser, etc., não é claro que, se eventualmente copiar para lá uma música, o valor dessa cópia seja proporcional à capacidade de armazenamento ou do seu valor como produto. Na verdade, dada a forma como acedemos, cada vez mais, ao conteúdo online, o mais plausível é que essa cópia não tenha sequer valor monetário e que apenas lá esteja por ser gratuito, por ser trivial copiar um ficheiro.
Em segundo lugar, e ao contrário do que acontece com a cassete virgem, a cópia privada não é uma motivação significativa para se comprar armazenamento digital; raramente alguém vai comprar um armazenamento digital com o intuito de copiar os seus próprios CDs ou DVDs.
O armazenamento digital não serve apenas - nem maioritariamente - para o registo de obras sem proteção ou para a cópia privada. Serve para armazenar cópias licenciadas e para aceder a todo o material promocional que, cada vez mais, os autores distribuem por via digital. O armazenamento digital é parte sine qua non da sociedade da informação, permitindo o comércio de software e das vendas online de música, livros e vídeos, sendo necessário para visitar páginas dos artistas, alugar filmes e até comprar bilhetes para concertos.
Portanto, contrabalançando o alegado prejuízo da cópia privada está um benefício económico que, segundo a nossa experiência, é cada vez mais claro e significativo para todos os autores e artistas, quer pela venda de obras em formato digital, quer na auto-promoção dos artistas.
Quanto mais equipamento informático o público tiver, maior é o mercado acessível aos autores, e maior o benefício económico para estes.
A cópia privada legal, que é aquilo que esta lei contempla, está pensada para o tempo em que alguém comprava um disco e o copiava para uma cassete para ouvir no walkman. Hoje em dia isso pouco acontece, e acontecerá cada vez menos, explicando em grande parte a queda de vendas de álbuns musicais e filmes: hoje em dia é possível comprar e alugar ficheiros, por exemplo online ou na televisão, já pagando a licença para usar esse conteúdo em um ou vários aparelhos.
Cada vez mais a cópia legal é uma cópia autorizada, paga e licenciada, que, não cabendo no âmbito da cópia privada, não pode representar prejuízo nem carece de compensação adicional.
Além disso, a tecnologia digital expandiu imenso o número de autores que fixam e publicam as suas obras.
Nas redes sociais, nos blogs, nos sites de partilha de fotografias e de vídeos vemos um volume enorme de obras originais, publicadas, protegidas por direitos de autor mas cujos autores, em número muito superior ao dos beneficiários desta taxa, irão apenas pagar pela sua criatividade sem receber nada em troca, quer seja porque criam pelo gosto de criar ou porque fazem parte do grupo crescente de profissionais que autorizam a cópia, recorrendo a esquemas alternativos de licenciamento.
Por isso, a grande maioria dos autores terá nesta taxa apenas prejuízo em vez de compensação.
DRM
Finalmente, este Projeto de Lei considera o suporte digital apenas para o taxar, perdendo a oportunidade de assegurar devidamente o Art. 6° ponto 4 da diretiva 2001/29/CE, corrigindo um erro grave na legislação vigente.
Se em teoria todos temos o direito a aceder aos conteúdos que compramos e à sua cópia privada, na prática os cidadãos só podem exercer esses direitos se a editora não os limitar com medidas de carácter tecnológico ou medidas tecnológicas eficazes, vulgo DRM, que não só impedem a cópia mas também o próprio acesso aos conteúdos em plataformas alternativas.
Por exemplo, não é possível usufruir legalmente de muitos conteúdos comprados em suportes originais recorrendo a Software Livre por terem DRM.
Se bem que, tecnologicamente, seja uma tarefa trivial, legalmente é punido com até um ano de prisão, porque exige que se contorne as medidas de restrição digital que as editoras implementam nesses suportes.
Adicionalmente, não é pragmático acreditar que a IGAC tenha os meios para obrigar que todas as obras que recebe em depósito se encontrem livres de DRM, a única forma de cumprir o papel de controlo de abusos da lei previsto no ponto 3 do artigo 221° do CDADC.
Por isso, a ANSOL propõe também que este Projeto de Lei, que visa atualizar a legislação da cópia privada ao domínio digital, permita explicitamente que o DRM possa ser contornado para fins legais, como a cópia privada e o natural acesso à obra legitimamente adquirida, usando o equipamento e software que o comprador entender.
Possível solução:
Alteração do Artigo 221° ponto 3 do CDADC para:
3 - Sempre que se verifique em razão de omissão de conduta, que uma medida eficaz de carácter tecnológico impede ou restringe o uso ou a fruição de uma utilização livre por parte de um beneficiário que tenha legalmente acesso ao bem protegido, pode o lesado neutralizar a medida eficaz de carácter tecnológico.
CONCLUSÃO
Por estes motivos, propomos:
- que o artigo quinto permita as exceções necessárias para que qualquer autor possa prescindir dos seus direitos patrimoniais;
- que a taxa sobre equipamento informático seja removida do Projeto de Lei nº118;
- que se garanta o cumprimento da Diretiva Europeia, permitindo a neutralização de medidas tecnológicas que impeçam o cidadão de usufruir legalmente da obra;
- Que tenham em conta os mais de sete mil cidadãos subscritores da petição por nós lançada, em tão curto espaço de tempo.
Obrigado a todos pela vossa atenção, esperamos ter sido claros, mas estamos disponíveis aqui, bem como em mais reuniões, ou até contactos por email, que julguem necessários para vos ajudar a esclarecer este e outros assuntos.