Software Livre nos programas eleitorais 2025

A alguns dias das eleições legislativas portuguesas de 2025, analisámos os programas eleitorais de todos os partidos que concorrem nas eleições de 18 de maio de 2025. Apresentamos aqui a análise no que toca a Software Livre, à semelhança do que fizemos em 2024.
Com novas eleições um ano depois, não é de espantar que as nossas ideias e recomendações se mantenham, por isso sugerimos que leiam o nosso artigo original Ideias para a legislatura 2024-2028. Este artigo termina com um sumário da posição de cada partido no que toca aos pontos relevantes do ponto de vista da ANSOL.
Defendemos que todo o código financiado por dinheiro público deve ser Software Livre (recomendamos que visitem a página Public Money? Public Code!). Defendemos o direito à privacidade nas comunicações dos cidadãos e somos contra o experimentalismo não fundamentado de voto eletrónico ou online.
Em caso de erros podem sugerir alterações no nosso repositório ou contactando-nos.
Podcast Voz dos Direitos Digitais
Este artigo foca-se no Software Livre, para uma análise mais abrangente sobre direitos digitais sugerimos os episódios do podcast Voz dos Direitos Digitais:
- Ep 09 - Legislativas 2025 - Programa do Volt
- Ep 10 - Legislativas 2025 - Programa do PCP
- Ep 11 - Legislativas 2025 - Programa da AD
- Ep 12 - Legislativas 2025 - Programa do BE
- Ep 13 - Legislativas 2025 - Programa do PS
- Ep 14 - Legislativas 2025 - Programa do PAN
- Ep 15 - Legislativas 2025 - Programa do Livre
- Ep 16 - Legislativas 2025 - Programa da IL
- Ep 17 - Legislativas 2025 - Classificação dos programas
Partidos
Os partidos apresentados estão ordenados pelo número de deputados eleitos em 2024 e, em caso de empate, por número de votos.
Estão ausentes os partidos cujos programas não estavam disponíveis ou não continham qualquer referência relevante aos assuntos da ANSOL.
PPD/PSD.CDS-PP - Aliança Democrática
Não há referências a Software Livre.
Querem “aumentar significativamente o nível e o número de patentes por empresa em Portugal” sem explicar como ou porquê.
Querem “continuar a fortalecer a infraestrutura digital e cibernética do país” sem dizer como, mas “assegurando […] a proteção de dados e a privacidade online”.
Querem “prosseguir a modernização e digitalização da administração pública […] aplicando os princípios da conceção centrada no utilizador, dos dados abertos e da interoperabilidade”.
Insistem em testar o voto eletrónico não presencial nos círculos das comunidades portuguesas (e dizem-no em três pontos distintos do programa). Consideramos que deve se ter em conta o projeto-piloto em Évora, fortemente criticado pela CNPD.
PS - Partido Socialista
Não há referências a Software Livre.
Mencionam o conceito de interoperabilidade em várias secções, no contexto de eficiência e remoção de redundância.
Propõem a integração de conteúdos de ética digital nos currículos escolares, mas sem qualquer detalhe no que toca à promoção do conceito de soberania tecnológica. “Soberania Digital” é apenas referida no contexto de ecossistemas de IA europeus, promovendo a criação de “uma estratégia de soberania digital”.
O tema da Inteligência Artificial (IA) é agora mais aprofundado, e fala-se da IA ter de ser desenvolvida de forma “socialmente justa”, mas sem detalhes do que isso significa. Propõem a criação de um “Conselho de Ética em Inteligência Artificial”.
Querem “Promover a acessibilidade ao direito de voto, quer com a melhoria das condições de acesso às assembleias, quer com a disponibilização de mecanismos e tecnologias de assistência como o voto eletrónico, já testado em Évora nas Eleições Europeias de 2021”. Mais uma vez o teste de Évora em 2019 é usado como exemplo positivo, apesar das irregularidades encontradas e críticas da CNPD.
IL - Iniciativa Liberal
Não há referências a Software Livre.
Defendem uma “cultura de dados que permita conhecer o estado dos serviços e melhorar a sua gestão”. Mencionam o conceito de interoperabilidade em várias secções, no contexto de eficiência e remoção de redundância.
Querem uma “reforma do Código dos Contratos Públicos” e “Simplificar”, mas não detalham qual a reforma. É preciso cuidado para não cortar nos requisitos de escolha preferencial de Software Livre, nem na obrigação de nomeação de fornecedores ou produtos específicos (que, infelizmente, são sempre ignorados).
Literacia digital transversal, com foco no uso seguro da tecnologia, privacidade, proteção de dados, identidade digital, verificação de fontes, combate à desinformação e prevenção de riscos online.
Continuam a defender restringir o uso excessivo de videovigilância e criar um ecossistema digital seguro na Administração Pública, que reforça a encriptação e segurança dos dados pessoais, e que garante a rastreabilidade dos acessos a dados pessoais por parte dos trabalhados do setor público. Querem garantir dos meios necessários para o funcionamento da CNPD.
Apesar de se afirmarem contra a taxa da cópia privada, querem começar por remover as isenções (para simplificar os processos dos comerciantes), o que efetivamente aumenta a taxa nalguns cenários. Apesar de contactados no sentido de mostrar esta incongruência, a intenção permanece inalterada.
Reforço da capacidade nacional de ciberdefesa e cibersegurança (no âmbito das metas de investimento em defesa da NATO), que inclui formação em protecção de dados.
BE - Bloco de Esquerda
Manifesto Eleitoral do Bloco de Esquerda
O Bloco apresenta só um manifesto, indicando que o programa é o mesmo de 2024. Assim, apresentamos a análise que fizemos em 2024.
Defendem que o software criado ou comprado com dinheiro público, seja software livre ou de código aberto.
Defendem a neutralidade da Internet e liberdade de expressão na mesma sem censura.
Propõem o fim do DRM e o fim da criminalização da partilha de conteúdos para fins não comerciais.
Defendem que a produção científica financiada por dinheiros públicos seja depositada em repositórios abertos.
Propõem para as comunidades portuguesas no estrangeiro um teste de voto eletrónico à distância. Esse teste teria “a participação de especialistas de segurança das Universidades portuguesas, utilização de código aberto, e amplo escrutínio público”. Apreciamos os requisitos, mas ao começar pelo teste, condiciona-se a desvalorização das críticas que poderiam por em causa a sua exequibililidade, como aconteceu no projeto-piloto fortemente criticado pela CNPD.
PCP-PEV - CDU - Coligação Democrática Unitária
Programa Eleitoral PCP Programa Eleitoral PEV
Defendem a transparência e neutralidade da rede e a promoção do software livre.
Do ponto de vista da inteligência artificial (IA), o PCP propõe a proibição de recolha invasiva de dados pessoais para alimentar sistemas de IA, como a “vigilância permanente em contexto laboral, devassa automatizada da privacidade, recolha de dados biométricos”.
Defendem a limitação do uso de IA para decisões com implicação directa na vida das pessoas (ex: “apoios sociais, vistos, asilo, crédito bancário, acesso a um posto de trabalho, decisão judicial”), e exige que “os parâmetros e as bases de dados usados numa tomada de decisão sejam públicos e auditáveis”; e defende a “obrigatoriedade de sinalização do uso de IA em produtos e serviços”, sejam estes serviços públicos ou privados.
Defendem “contestar alterações às leis e aos métodos e processos eleitorais que diminuam as condições de fiabilidade, segurança, fiscalização e controlo democrático dos processos eleitorais”.
L - Livre
Defendem a neutralidade da internet, que “os roteadores e modems façam parte do domínio das e dos consumidores”, o direito ao esquecimento e privacidade online, e incentivam a adoção de normas de acesso aberto para facilitar a interoperabilidade e portabilidade, evitando os efeitos de rede das plataformas dominantes.
Pretendem renovar o RNID, prevenir a vigilância em massa e o abuso do direito à privacidade assim como a utilização de dados pessoais sensíveis em segmento de publicidade.
Sobre o Software Livre, defendem que “todo o código desenvolvido com dinheiro público seja licenciado como código aberto” e que se introduza “software livre e de código aberto em todos os níveis da administração pública e em instituições financiadas com recursos públicos, com todos os registos públicos não confidenciais digitalizados e publicados num banco de dados online aberto”. Defendem ainda a “Obrigatoriedade de interoperabilidade de dados para todos os serviços tecnológicos contratados pelo Estado” e reforçar o orçamento e condições do CNCS.
Propõem “Assegurar a transparência da contratação pública no Portal dos contratos públicos, através da publicação de dados abertos”. Acrescentam a disponibilização de dados abertos da segurança social.
Para a IA, o Livre defende que se deve regular criando um orgão regulador de tecnologias de IA, e que se previna a discriminação algorítmica de vencimentos.
No capítulo “Democracia”, defendem uma revisão dos processoas eleitorais que permita um investimento “no desenvolvimento e experimentação de sistemas de voto eletrónico não presencial, particularmente nos círculos eleitorais da emigração”.
Propõem a criação de livros escolares com licença de autor aberta (Creative Commons) e sem DRM. Ainda na educação, defendem que a utilização de software proprietário deve ser restrita aos casos onde software aberto não cubra as vantagens pedagógicas, financeiras, de inclusão social e universalidade e devem ser garantidas a privacidade e reserva na utilização dos dados gerados.
Defendem o direito à fabricação e reparação, garantido uma transposição rápida e efetiva da Diretiva Europeia sobre o Direito à Reparação, democratizando a tecnologia da fabricação digital (ex. impressão 3D), distribuída e aberta e garantindo a implementação de protocolos, formatos de transferência e standards abertos, e também interoperabilidade entre a indústria, pessoas e comunidades.
Querem rever a transposição da diretiva de direitos de autor para as exceções na investigação através do artigo 3º, e para facilitar o acesso livre através dos artigos 15º e 17º.
Propõem fomentar “a construção colaborativa e à escala Europeia de plataformas de redes sociais de gestão descentralizada, reforçando a soberania digital”
Acolheram as nossas propostas de “garantir o acesso às aplicações da Administração Pública a todos os cidadãos sem discriminação a um determinado fornecedor ou plataforma”, ensinar métodos e técnicas em vez de software específico, interoperabilidade obrigatória e fazer um levantamento da actual situação de vendor lock-in.
Continuam a defender o voto eletrónico não presencial, agora “salvaguardando as condições legais e técnicas para que tal possa acontecer sem pôr em causa os direitos fundamentais dos eleitores nem a segurança do sistema eleitoral” - só que até ver não há forma de salvaguardar isso, nem eles dizem como o fazem.
PAN - Pessoas-Animais-Natureza
Propõem que deve ser avaliada a migração de todo o software de agências governamentais e entidades públicas para Software Livre e defende que todo o software desenvolvido pelo estado ou financiado por recursos públicos deve ser Software Livre, salvo situações devidamente justificadas.
Propõem promover o direito à reparação, alargar o IVA de 6% atualmente previsto para a reparação de eletrodomésticos por forma a incluir a reparação de aparelhos electrónicos de utilização normal em qualquer ambiente, incluindo computadores, telemóveis ou tablets. Propõem também “implementar o Índice de Reparação em todos os bens de modo a informar os consumidores sobre o potencial de reparação do produto e a sua atualização no ato da compra”.
Defendem que os sistemas informáticos na Administração Pública devem garantir “o acesso a todos/as através do uso de técnicas de acessibilidade web”.
Propõem reforçar o investimento do Estado em infraestrutura própria, evitando manter informação em servidores estrangeiros ou em fornecedores que não garantam a confidencialidade e salvaguarda da informação.
Em comparação com o ano anterior, já não propõem reforçar os meios da CNPD, mantendo apenas referência ao CNCS.
RIR - Reagir-Incluir-Reciclar
Propõem “Facilitar o voto eletrónico e postal seguro” no contexto da ligação a quem emigra.
ND - Nova Direita
Propõem impor por lei que os dados sensíveis – incluindo meta-dados dos portugueses, bem como os dados estratégicos do Estado e do sector privado sejam hospedados em Portugal de modo soberano.
Querem garantir a privacidade dos portugueses com uma Lei da Liberdade Digital, impossibilitando às polícias e serviços do Estado o acesso a meta-dados sem mandado judicial específico.
VP - Volt Portugal
Propõem a substituição, de modo faseado, do software usado em serviço público por alternativas de “código aberto” e a promoção de software “não proprietário” na educação, incluindo ações de formação para os funcionários públicos. Propõem averiguar o custo público em licenças de software proprietárias.
Defendem também o princípio de “Dinheiro Público, Código Público”, exceto “em situações onde o segredo de justiça/defesa nacional seja aplicável”.
Defendem a neutralidade da internet, e propõem implementar políticas que permitam que todos os indivíduos tenham o direito de livre acesso à internet.
Propõem a criação de um Ministério da Digitalização para melhorar serviços governamentais, garantir a privacidade digital dos cidadãos, proteger e desenvolver infraestrutura crítica na área digital, regular o uso de dados pessoais no mundo digital, fomentar a formação na área digital e combater fenómenos digitais como as fake news e o cibercrime, assim como investir na soberania digital, incluindo na introdução e desenvolvimento de software livre e servidores nacionais.
Defendem o desenvolvimento de APIs para acesso à população de dados públicos, e utilizar dados abertos (open data) para aumentar a transparência governamental.
Defendem o direito à privacidade, encriptação e esquecimento. Defendem transformar a CNPD numa Secretaria de Estado aumentando os seus recursos e tornando vinculativos os seus pareceres.
Apelam a um debate sério e alargado sobre a transposição da diretiva sobre direitos de autor, e a revogação das medidas extrajudiciais de bloqueio de sites.
Infelizmente, continuam a defender a adopção generalizada do voto eletrónico à distância.
PPM - Partido Popular Monárquico
Defendem investir na segurança através de mais videovigilância, com suporte a inteligência artificial (“análise de padrões criminais”), reconhecimento facial e drones.
PLS - Partido Liberal Social
Propõem voto eletrónico, sugerindo que reduziria os custos operacionais do processo eleitoral, o que nos parece um contrassenso. Referem o caso da Estónia como um caso de sucesso, ignorando a avaliação que a OSCE fez do último acto eleitoral na Estónia.
Tabela Comparativa
Para tornar a análise aos programas dos vários partidos mais clara, apresentamos uma tabela onde se reunem os pontos mais importantes para a ANSOL, atribuindo pontos positivos ou negativos consoante a seguinte classificação:
- +2: Medidas são consideradas boas pela ANSOL
- +1: Medidas são consideradas razoáveis, mas podiam ser melhores ou não estão suficientemente explícitas
- —: Não há referência ao tema
- -1: Medidas são consideradas perigosas, mas podiam ser piores
- -2: Medidas são consideradas perigosas
PS | BE | PAN | CDU | IL | AD | L | ND | V | PLS | PPM | RIR | |
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Software Livre | — | 2 | 2 | 1 | — | — | 2 | — | 2 | — | — | — |
Dinheiro Público, Código Público | — | 2 | 2 | — | — | — | 2 | — | 1 | — | — | — |
Neutralidade da Internet | — | 2 | — | 2 | — | — | 2 | — | 2 | — | — | — |
Interoperabilidade/RNID | 1 | — | — | — | 1 | 1 | 2 | — | 1 | — | — | — |
Dados abertos | — | — | — | — | — | 1 | 1 | — | 2 | — | — | — |
DRM | — | 2 | — | — | — | — | 1 | — | — | — | — | — |
Voto Electrónico | 2 | 1 | — | 1 | — | 2 | 2 | — | 2 | 2 | — | 1 |
Protecção de dados/Privacidade | — | — | 1 | 2 | 1 | 1 | 2 | 1 | 2 | — | 1 | — |
Total | -1 | 7 | 5 | 6 | 2 | 1 | 10 | 1 | 8 | -2 | -1 | -1 |