10 ideias para a próxima Legislatura
Em Janeiro decorrerão as próximas eleições legislativas. Com a fase pré-eleitoral a começar, a ANSOL apresenta aqui as suas 10 ideias para a próxima Legislatura:
1. Transposição da Directiva de Direitos de Autor
A proposta de transposição de Directiva de Direitos de Autor proposta pelo Governo que agora cessa funções demonstra um processo falhado. Por um lado, porque é feita uma proposta que sublinha a necessidade de ter o tema em consulta pública, mas que aparece já texto-feito quando tal consulta nunca aconteceu. Depois, porque a proposta peca na forma como transpõe, ao mesmo tempo que insere outras alterações que não derivam da directiva, sem explicação ou justificação.
É preciso que esta transposição seja feita de forma ponderada, justificada, e tendo em consideração os impactos que cada uma das medidas terão na sociedade civil, rejeitando o oportunismo de usar o momento de transposição para tomar outras medidas legislativas sem ponderação própria.
2. Renovação RNID
O RNID - Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital - regula a Lei das Normas Abertas. A sua revisão devia ter acontecido, por lei, o mais tardar até ao passado dia 19 de outubro. Não só urge preparar esta renovação, como impera que se use essa oportunidade não só para a necessária actualização tecnológica, como também para munir a própria Lei dos mecanismos necessários (por exemplo, mecanismos de queixa com tempos de resposta previstos e medidas sancionatórias) para que ela se faça cumprir. Esta renovação deve acontecer o mais tardar até 12 de fevereiro de 2022, data para o prazo em que é obrigatório aos Estados-Membro actualizar a versão da norma harmonizada de requisitos de acessibilidade para sítios Web e aplicações móveis.
3. Revogação de Lei e Memorando para medidas extra-judiciais “anti-pirataria”
O memorando de entendimento que colocava entidades não judiciais a declarar determinados websites como estando a cometer violações ao Direito de Autor, censurando-os via DNS, já era uma inaceitável inversão ao ónus da prova, que causou danos irreversíveis a alguns dos websites afectados. A expansão desse memorando para Lei, como ocorreu na legislatura que agora termina, não só reforça um erro, como o expande, agora com o bloqueio de IPs, o que aumentará os danos colaterais desta medida, mesmo quando comprovado que o website em questão esteja mesmo a violar direitos de autor, visto que o IP pode ser partilhado. Acresce que a medida tem poucas consequências para quem quiser mesmo estar do lado errado da Lei: levantar o mesmo serviço num novo IP é fácil e rápido. A Lei aproveitou ainda para reduzir os efeitos da Lei que proteje os cidadãos do DRM, sem justificação para tal. Tanto esta Lei como o anterior Memorando devem ser revogados.
4. Dinheiro Público? Código Público!
Queremos legislação que obrigue software financiado com dinheiro de contribuintes, desenvolvido para o setor público, seja publicado com uma licença de Software Livre. Se se trata de dinheiro público, o código também deve ser público. Muito se pode fazer para trabalhar neste caminho, em vários casos capitalizando e reforçando aquilo que já tem sido feito.
Como exemplo, seria útil democratizar o acesso à informação retida na plataforma de pareceres prévios, bem como o reforço ao Código dos Contratos Públicos no sentido de impedir a práctica ilegal de procuração de licenças de software de marcas ou fabricantes específicos, através de melhor fiscalização, mais rigor na fase dos pareceres prévios, e melhores mecanismos de denúncia.
5. Poder e meios à CNPD
Temos uma Comissão Nacional de Protecção de Dados que, frequentemente, declara que não faz mais, melhor e mais rapidamente o seu trabalho por falta de meios. Por outro lado, temos visto recorrente menosprezo pela Comissão: pedidos de parecer a projecto enviados quando o projecto já está aprovado, respostas aos pareceres totalmente ignoradas, e até mesmo reduções ao âmbito de actuação da CNPD.
Defendemos o oposto: os pareceres da CNPD merecem em muitos casos carácter vinculativo, a sua existência deve ser em determinadas circunstâncias um obrigatório pré-requisito, e, obviamente, devem ser providenciados os meios necessários para que a CNPD possa cumprir o seu desígnio.
6. Contra a “nova” Patente Unitária
Debaixo do véu das teóricas vantagens de uma “Patente Unitária”, que normalizaria o sistema de registo de patentes para toda a Europa, está a ocorrer uma reformulação e restruturação de todo o sistema de Patentes, com a criação de um sistema de tribunais especializados de patentes que propositadamente saem do âmbito da ordem legal Comunitária. Um dos efeitos nefastos deste movimento é o regresso das patentes de software: apesar do Parlamento Europeu ter explicitamente rejeitado a patenteabilidade do Software, em 2005, com a Patente Unitária o European Patent Office tem agora autonomia para decidir o que é patenteavel ou não, e já há registo do seu interesse em abrir as portas a patentes de Software.
7. Software na Educação
Os nossos alunos e seus encarregados de educação não devem ser obrigados a usar software proprietário. É este conceito de independência tecnológica que serve de base para leis como a Lei das Normas Abertas. No entanto, a prática conta-nos uma história diferente, e as queixas que chegam até nós têm abundado. Obrigatoriedade do uso de plataformas terceiras como Zoom ou Teams, com a obrigação da aceitação de termos de serviço e partilha de dados pessoais com essas empresas; comunicação obrigatória através de plataformas como Whatsapp. É preciso acabar com todos estes casos, capacitando as nossas escolas com infraestrutura própria.
8. Correcção do “programa Escola Digital” na forma de atribuição de PCs a alunos
Computadores com software proprietário, em que os alunos não podem instalar software livre, em que o computador é gerido por entidades privadas terceiras, e que no final o computador tem de ser devolvido - o actual programa Escola Digital, além da falta de transparência que marcou a sua implementação, peca por não ter aprendido com as experiências anteriores. Temos agora nas mãos equipamento que não pertence aos alunos, software que não é controlado por eles nem pelo estado, e contratos de suporte ao processo que não dá o suporte que realmente interessa às escolas que não têm os meios para proceder à parte que lhes coube neste esquema. Será agora necessário gerir a corrente situação, de forma estratégica e pensando no longo prazo.
9. Contra o experimentalismo não fundamentado de voto eletrónico ou online
Depois de um projecto-piloto nas eleições europeias, considerado pelo Ministério da Administração Interna como um sucesso, ainda que depois o mesmo projecto tenha sido “arrasado” pela CNPD, que concluiu que ficaram “feridos os mais básicos princípios do Estado de Direito Democrático, com menosprezo pelos princípios da previsibilidade e da transparência do processo eleitoral”, em vez de admitir o passo em falso, tem-se insistido nesse caminho, tentando até ir mais longe, e propondo um ainda mais arriscado voto online, com um teste-piloto na eleição ao Conselho das Comunidades Portuguesas, a ocorrer já no primeiro semestre de 2022. Este tipo de experimentalismo, feito sem a análise e o cuidado que o sistema democrático exige, deve acabar.
10. Recusa aos ataques à criptografia
Não é apenas uma mas várias as iniciativas, maioritariamente oriundas do espaço comunitário, que, com o disfarce do combate contra o terrorismo, a pedofilia, ou a violação dos direitos de autor, se promove a ideia da criação de cavalos de tróia nos sistemas que se querem seguros e privados. Estas medidas metem em risco a segurança e privacidade de todos os cidadãos - incluindo minorias, crianças e os que mais interesse temos em proteger. Portugal deve recusar este tipo de medidas.